25 fevereiro, 2008

the poisoned mondays antidote

Rock Your Body - Justin Timberlake, do álbum "Justified" editado por Jive Records em Novembro de 2002.

22 fevereiro, 2008

mediação apreciativa

1. É hoje vulgar considerar-se Johnny Hartman como alguém cujo sentido e sobriedade na abordagem jazzística e cuja voz grave, mas sempre impecavelmente aveludada no timbre, nunca foi objecto de devido reconhecimento. Já tanto não se pode dizer do génio indomável e fulminante do John Coltrane e da qualidade imemorial do seu quarteto (Maccoy Tyner, piano, Jimmy Garrisson no contrabaixo e Elvin Jones na bateria). Contudo o som que se pode ouvir de “my one and only love” (e esqueçam as imagens, pois em 1963, a MTV não tinha sido inventada) serve aqui um propósito explanatório, sobre a conferência de Franco Fortieri na qual apresentou a denominada “mediação apreciativa”.

2. Franco adopta uma diferente perspectiva na abordagem à mediação. Para ele o fundamental não é reconhecer ou tentar reconhecer a verdadeira natureza do conflito e encontradas as suas razões, proceder evolutivamente no sentido de um equilíbrio cicatrizador entre as partes em litígio, o fundamental é antes e desde logo, encontrar e estabelecer um patamar positivo que de algum modo aquela relação quebrada ainda evoca e a partir daí, avançar em diálogo no sentido da resolução do conflito. Daí a enorme importância dada à pré-mediação, como câmara aonde as partes conflituantes, num exercício de activo de memória, evocação, tentam colocar entre elas e sempre previamente, factos, lembranças, acontecimentos, simbioses cuja presença e lembrança não só determine a dinâmica pela positiva do diálogo a estabelecer em mediação (com o mediador), como sirva de estímulo positivo à resolução do conflito e ao reestabelecimento da relação naquela mesma base agradável, ou profunda, que as partes inicialmente (em pré-mediação) apenas evocavam.

3. Para Franco a mediação é irredutivelmente um exercício optimista, aonde qualquer evocação negativa é simultaneamente a possibilidade do seu fim. Haverá assim – e tal é condição sine qua non – a necessidade, no seu dizer, de uma predisposição ao lirismo ou à arte: à sofisticação e à sensibilidade de todo o ser humano e à respectiva capacidade de identificar o extraordinário ou o belo. E quando a desavença se instala e a inspiração é precisa, talvez não seja muito difícil convocar aqueles momentos de trégua ou de doce calma, a que corresponda a consciência plena, de que verdadeiramente a existência, é uma arte e que nela existem momentos que por inteiro nos preenchem e se nos gravam como um filamento de beleza, ainda que tal possa ocorrer na mais simples e vulgar das horas, com a mais vulgar de todas as coisas: quando Hartman, depois da introdução completa do standard por Coltrane, começa a cantar, com todo o ensable, “my one and only love” de Guy B. Wood e Robert Mellin, ou como quando daquela vez em Paris, frente à Ópera, e nevava…

Verdadeiramente, seremos sempre nós a beleza e a sua arte, porque ainda que o mundo caia aos pedaços, seremos a exacta medida das suas coisas.

Bom fim-de-semana.

“my one and only love” de Guy B. Wood e Robert Mellin, interpretado por John Coltrane e Johnny Hartman no álbum com o mesmo nome, re-editado por Impulse!! Records, em Junho de 1995.

19 fevereiro, 2008

sobreviveremos


1. Toda a questão da sobrevivência é uma questão radical e por norma, quando ninguém realmente com ela se confronta, ou se confunde (quando a ninguém se coloca a questão de sobreviver) ela serve temas meramente especulativos que nos são propostos de múltiplos modos: por exemplo, como séries de televisão que qualificam os seus protagonistas como perdidos, ou como a última esperança de um país assolado por terroristas, ou então como simples escrito, arrazoado, que partindo de certas tendências ou coordenadas, procura antecipar ou a sobrevivência do Estado e dos Tribunais como sistema único de realização da Justiça, ou o seu eventual colapso ante outras modalidades de resolução de conflitos, assentes num julgamento individualmente referido, num acerto entre partes conflituantes.

2. Não deixa de ser estranho que o Estado desconfie desse poder cicatrizante de que cada um de nós é capaz! E não deixa de parecer estranho que a capacidade que muitos de nós têm de, senão de perdoar, pelo menos de absolver, haja sido esquecida. Não deixa de ser profundamente injusto e perturbante para nós mesmos – enquanto seres humanos, conscientes dessa dimensão e desse pode apaziguador – que algures nessa evolução civilizacional, tenhamos deixado, prescindido, da faculdade de absolver, de remir, de desculpar, ou de pelo menos, partir de nós próprios o impulso e a habilidade para ultrapassar o conflito.

3. Não se pretende com isso negar que na grande parte das vezes, ainda que predispostos a uma capacidade de absolvição, tal não seria conseguido senão pela forma tradicional de resolver os conflitos: os Tribunais. A grande questão, aquela que deverá merecer o nosso próprio espanto, é que nos tenhamos acomodado de tal modo e tão facilmente a essa forma unívoca de abordar a conflitualidade e de, com tal conformação, tenhamos abdicado de nós mesmos, daquilo que é a nossa natureza e do que ela é capaz, em favor de um sistema de juízo e de punição que presentemente – atenta a sua dimensão e complexidade – dificilmente é produz e expressa algo que se possa dizer de verdadeiramente justo, porque próximo das convicções ou da sensibilidade de cada um de nós, da vítima ou do agressor.

4. O Estado é um sobrevivente. E é em nome dessa sua sobrevivência, que ele ocupa uma vez mais um espaço eminentemente conexo com a individualidade de cada um: o espaço e o poder que cada um tem de ser ele próprio e de entender-se a si e ao outro, como um veículo através do qual se consiga estabelecer uma qualquer proximidade e com isso, uma capacitação, nomeadamente aquela outra de que há muito abdicamos, a do indulto, a da absolvição do outro por nós mesmos, considerada uma atitude recíproca e valorativamente idêntica naquele a quem indultamos.

5. Numa leitura mais extrema, a interferência do Estado numa matéria potencialmente tão individualizante como é a resolução alternativa de conflitos (enfim, seguindo a leitura que por aqui a este propósito, vem sendo debatida) não visa senão privar-nos dessa mesma capacitação e da sua transposição para uma dimensão civilizacional que dele (Estado) tem sido apanágio exclusivo: a da realização da Justiça.

6. O propósito é partir-nos as pernas, antes que seja tarde. E nós, sobreviveremos?...

"I will survive" - versão do original de gloria gaynor, por Cake, do álbum "fashion nugget" editado por capricorn records, em agosto de 1997.

15 fevereiro, 2008

aperguntacircular weekend lounge

"take it easy my brother charlie" - por astrud gilberto, album "now" editado em 1972 (bom ano, por sinal!).

Bom fim-de-semana!!

14 fevereiro, 2008

a mediação impossível

the five point palm exploding heart technique vs. bill vs. beatrix kiddo.

"kill bill - vol. 2" por quentin tarantino, abril 2004.

13 fevereiro, 2008

where is my mind?


1. Disse o Ministro da Justiça que a inauguração do Sistema de Mediação Penal não correspondia a uma privatização da Justiça. A ideia do Sr. Ministro até pode ser firme, mas no “post” anterior (ver aqui) tentou demonstrar-se como a perspectiva ministerial sobre a mediação penal – e as restantes mediações – é falível. Toda e qualquer mediação, ainda que sustentada numa intervenção do Estado, corresponde no seu âmago, a uma manifestação eminentemente individual e individualizada dos pólos em conflito e nessa mesma medida, a mediação é por essência algo PRIVADO.

2. Daqui extrapolou-se para consequências de ordem mais genérica relacionadas com a necessidade do próprio Estado manter o controlo sobre os mecanismos de aplicação ou de realização de justiça, incluindo aqueles denominados de “alternativos”, lugar em que, manifestamente, os respectivos procedimentos e a justiça que deles resulta não depende de um sistema exterior/heterónomo às partes em conflito e respectivos protagonistas (Ministério Público, Juízes, Advogados, Peritos etc…) mas sim da própria vontade dos conflituantes e do modo como ambos, casuisticamente, constroem uma solução que a eles exclusivamente lhes pareça conforme e equilibrada, em atenção aos respectivos interesses.

3. Desta mesma constatação e da correspectiva necessidade Estatal em manter protagonismo na resolução alternativa de conflitos, descobre-se uma preocupação relacionada com o esvaziamento de princípios sobre os quais todo o Estado moderno e ocidental se erigiu, assente na igualdade de todos perante a Lei (a sua universalidade), o respectivo primado, o princípio da separação de poderes e o reconhecimento da suficiência dos Tribunais e do poder judicial na realização da Justiça – tudo princípios de cariz racionalista – aos quais se devem a natureza eminentemente sistémica e estadual dos tradicionais mecanismos de realização de justiça. Aquela resolução alternativa e a suficiência que nela acontece do indivíduo na composição e sanação do respectivo conflito (a justiça como uma emanação pessoal, na esteira ética e cristã do perdão) são ácido que corre livremente sobre as fundações racionalistas da Lei como único instrumento formalizador e legitimador de toda a Justiça.

4. Daqui conclui-se, que o controlo de um Sistema de Mediação – qualquer que ele seja – pelo Estado, corresponde a um instinto de auto-preservação.

5. Tendo isto dito e concluído, eis senão quando em Inglaterra o Arcebispo de Cantuária, Dr. Rowan Williams, em lição proferida ou a proferir em Universidade (ver aqui) fala sobre a necessidade de abrir espaço na Lei Inglesa à aplicabilidade em contadas circunstâncias da Sharia (sistema legal muçulmano que resulta de interposição da Palavra de Deus e de aspectos relacionados com a vida do Profeta Maomé) nomeadamente a aplicabilidade de alguns dos seus aspectos relacionados com o matrimónio, a relação entre pais e filhos e outros (aspectos esses que expressam de igual modo, uma individualidade cultural) de modo a permitir a respectiva validade jurídica no sistema de justiça Inglês.

6. Ora esta mesma perspectiva a que deu voz do Arcebispo de Cantuária, não corresponde senão e uma vez mais, a um abanão naquela concepção racionalística da Justiça, assente no primado e na universalidade da Lei, como seu factor preponderante. Aquilo a que o Arcebispo de Cantuária apela é ao contrário, um modo casuístico e individualizado de Justiça, não sancionado pela Lei do Estado. Convém sobretudo acentuar o facto de a convocação de particulares elementos da Sharia para uma realização da Justiça (e uma maior coesão social, no entender daquele Anglicano) aconteceria precisamente em estruturas em tudo semelhantes àquelas praticadas na mediação, ou seja, haveria partes em conflito mediadas por alguém próximo da respectiva comunidade, procurando resolver o litígio dentro de um enquadramento ético-cultural determinado pela Sharia, mas ainda dependente da vontade das partes em conflito – de resto, algo já reconhecido à comunidade Judia – e por isso longe da lei e do sistema de justiça (ainda que em Inglaterra este seja diverso do Continental).

7. E no meio de todas estas circunstâncias há um elemento pessoal a registar: o meu. Sendo alguém eminentemente empenhado naquele sistema de Justiça de cariz Estatal e sobretudo dele dependente, não deixo de ver com interesse os desenvolvimentos recentes no campo da resolução alternativa de conflitos e da especulação que os mesmos permitem em termos de perspectiva e de estruturação da conflitualidade. A questão é que a actividade especulativa e a perspectiva prática do curso de mediação me divide hoje a cabeça e algumas vezes começo por notar, que já não sei bem aonde a devo colocar – afinal, aonde pára a minha cabeça?

And you'll ask yourself

Where is my mind ?
Where is my mind ?
Where is my mind ?

Way out in the water
See it swimmin'…


“Where is my mind“ – the Pixies, album “Surfer Rosa” editado por 4AD em Março 1988.

08 fevereiro, 2008

aperguntacircular weekend lounge

Learn To Fly - Foo Fighters do álbum "there is nothing left to lose" editado por RCA em Dezembro de 1999.

Bom fim-de-semana!

noblesse oblige

Disse o Ministro da Justiça, quando inaugurou o Sistema de Mediação Penal em Aveiro, que este não pode ou não deve corresponder a uma privatização da Justiça e do respectivo sistema, antes constituí e nas suas palavras – fazendo fé no Jornalista JN – uma “… forma desenvolvida e acrescida de envolvimento da sociedade na resolução destes litígios”, através do Estado.

Ora bem… Não creio que numa primeira constatação possamos discordar daquelas generalizações de circunstância, proferidas pelo Ministro na cidade de Aveiro. De qualquer modo, nada impede um exercício mais profundo àqueles dizeres. Que a privatização da Justiça não acontece, pelo facto de se inaugurarem ou porem em funcionamento sistemas de mediação penal (ou qualquer outro) pode parecer manifesto, pela simples razão de ser o próprio Estado quem sustenta ou estrutura tais mecanismos de resolução de conflitos - logo o sistema não é privado, é estatal. Mas tal é ficarmo-nos pelo verniz das coisas, importando por isso uma verificação mais profunda.

Ora, não restam dúvidas para quem frequentou os seus cursos, que a MEDIAÇÃO e os resultados a que a sua metodologia conduz, são por essência uma emanação individualizada das partes em conflito, correspondendo assim a uma manifestação de vontade que se reporta em exclusivo, a alguém racionalmente determinado, que gere a partir das suas próprias convicções e motivações, uma solução que para si mesmo corresponda a algo que seja conforme e reflicta um justo equilíbrio final, considerando o ponto de rotura em que as partes inicialmente se encontravam. Se uma questão é saber, que tipo de Justiça corresponde a toda e qualquer transacção que resulte de MEDIAÇÃO (se é que alguma), nenhuma dúvida se pode colocar quanto à sua natureza eminentemente privada, pois corresponde a um assentimento individualizado, cuja construção depende única e exclusivamente de um esforço e de uma capacidade de equilíbrio e justaposição, que têm por única referência um quadro psicológico e ético que se alicerça e se estanca na contingência do EU, daqueles em conflito – o que de resto torna ainda mais surpreendente, o facto de se alcançarem resultados não despiciendos ao nível da resolução de conflitos e da própria taxa de reincidência penal.

O facto de tudo isso acontecer dentro de um sistema formalizado com a chancela estatal, sendo ele denominado de sistema de mediação penal (ou qualquer outro) em nada altera a sua substância ou natureza eminentemente Privada, por muito que o Ministro da Justiça diga que não!

De onde naturalmente resulta a pergunta que por aqui igualmente já se fez: o porquê do Estado e a necessidade que este sente, em manter uma presença significativa em algo que na sua essência – e numa visão mais extrema – pode perfeitamente viver sem ele? Creio que a resposta se pode situar historicamente: o estado moderno – ainda antes do próprio racionalismo – constituiu-se ou começou por constituir-se através de uma aplicação uniformizada e unívoca da Lei, num determinado território. “Rex” além de uma prerrogativa simbólica, militar ou administrativa, era de igual modo – e sobretudo – uma prerrogativa de fazer e aplicar a Justiça, que posteriormente e aquando da implantação do princípio da Separação de Poderes, o próprio Estado alienou em favor de um sistema judicial mais alargado e autonomizado, sem abdicar – no que ao sistema de justiça continental diz respeito – da formulação das leis, que posteriormente os tribunais aplicariam. Daqui ao sistema babilónico e kafkiano em que o sistema judicial se tornou, foi um saltinho de pardal!

Ora, parece manifesto que a MEDIAÇÃO corresponde ou poderá corresponder, a uma dissolução de todos aqueles princípios de que por séculos se fez o Estado Moderno: o do primado da lei e da suficiência dos Tribunais na respectiva aplicação. E é aqui que reside a razão para o Estado não largar o osso: o Estado não pretende para si esse desprestígio e permitir a realização individualizada e atomizada da Justiça por meios alternativos, tendo por base um querer individualizado. É ele (Estado) quem ainda quer controlar os modos da conflitualidade e daí a sua presença na resolução alternativa, ainda que ela – na grande maioria das situações – não seja precisa para nada. É apenas “noblesse oblige”, mas algo com o qual deveremos sempre contar...

O ministro bem pode adocicar a boca com ovos moles e dizer palavrinhas de circunstância, mas não creio que por muito que diga possa alterar a percepção que vem de ser exposta...
Vai um ovo mole?