Confesso que nunca li “uma teoria da justiça” do John Rawls (muito embora o tenha em casa) tal como, depois da filosofia do direito no 5.º ano da faculdade, nunca mais li o que quer que fosse sobre o conceito de “Justiça” e os filamentos filosóficos e normativos que o poderão estruturar. Nessa medida, o que seguidamente se segue, não é senão um exercício académico, necessariamente especulativo, a partir do qual, o único resultado que no seu final se poderá ter como assente, será o particular gozo que deu a sua escrita ao ora especulador e diletante.
Depois da aula de ética e da deontologia da mediação dada pelo Pedro, perguntei-me sobre o seguinte: a mediação, é permeável à Justiça? Pode toda a mediação ser efectivamente Justa? Esse sentido e conceito, deve, de algum modo, estar presente no desenvolvimento da mediação?
É dado por assente que toda e qualquer norma constitui uma valoração. Essa valoração decorre, ou deverá ser necessariamente, uma emanação daquilo que um determinado Estado, num dado momento e lugar, entende o dever-ser uma sociedade Justa – a norma transforma-se assim num veículo de aplicação de uma determinada ideia de JUSTIÇA.
A MEDIAÇÃO não é estranha a toda esta construção, desde logo pelo facto de nenhum acordo ser possível – e logo nenhuma mediação ser possível – quando dela resulte a ilegalidade, a inviabilidade do acordo por desconformidade com a norma. Quando assim acontece, a INJUSTIÇA da mediação resulta antes, por um referente objectivo: a norma.
Contudo e como bem sabemos, ainda que o resultado (todo e qualquer resultado, emane ele de mediação, ou de sentença) seja conforme à norma, ele não é necessária e imediatamente JUSTO. A neblina é algo inerente à JUSTIÇA e nela são raros os dias limpos e cristalinos. E se a verdadeira justiça é quixotesca à partida (cavalgando-se, como se tem que cavalgar por repartições e papelada dos Tribunais) que diremos dela quando requeremos de dois ou mais indivíduos (a maior parte das vezes emocionalmente desavindos, incertos de sentimento e de razoabilidade) que componham aqueles seus interesses de um modo JUSTO - porque, queiramos ou não, será isso que pretendem e isso mesmo estruturará o seu discurso e respectiva ideia de resultado?
Poderemos sempre sizer, que JUSTO será, na medida em que resultou do esforço e do acordo de ambas as partes e se por aí nos estancarmos, não questionando… O dilema é idêntico sempre que nos limitarmos a subsumir a norma: aplicamo-la, mas com a sua aplicação fizemos verdadeiramente JUSTIÇA? Há que fazer pois, o percurso uma pouco mais para diante, assim como necessariamente o deveremos fazer quando nos parece questionável o acordo alcançado, à luz da lei. A pergunta necessária é: VALE TODO E QUALQUER ACORDO EM MEDIAÇÃO, AINDA QUE CONFORME À LEI?
E como fica o MEDIADOR no meio de toda esta questão? Deve ele ser, tão só, o elemento neutro, o mero mecanismo comunicacional ao serviço da redenção da partes, o elemento que deve permanecer além de todas estas questões?
Se assim for, fica igualmente a pergunta: então porquê a ÉTICA e a DEONTOLOGIA ne mediação? É ela uma ética e uma deontologia elíptica, preocupada apenas com o seu centro e nunca com a periferia do que toca?
No meio dos dilemas – no meio também, da vaidade e do diletantismo – fica um fio de luz: ninguém como Kant se empenhou tanto acerca das condições para uma MORAL e uma ÉTICA, que partindo da condição individual e piedosa de cada um, houvesse de alcançar uma projecção universal. Com Kant, creio que a MEDIAÇÃO partilha esse propósito e essa preocupação de individualismo e do respectivo “empowerment”. Dele segue o fio de luz:
“Age de tal modo que a máxima da tua acção, possa valer como lei universal.” Da Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, Emmanuel Kant, 1784.
Fica pois a interrogação: deverá a mediação ser permeável a Kant? Se eventualmente assim não for, ou dever ser, então apenas eu, terei sido permeável à vaidade.