27 setembro, 2007

fins das penas


Lê-se no Preâmbulo do Código Penal de 1982 (depois revisto pelo Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março): «O Código traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.»

Dispõe o art. 40.º, n.º1, do Código Penal: «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.»

Não importa por agora e uma vez mais insistir na ideia do desiquilíbrio que existe no sistema penal e na resposta de que o mesmo é capaz, priviligiando sistemáticamente um sentido "reprogramador", "requalificador" de cada um dos individuos que por ele transita, deixando de lado - completamente de lado - a vítima, não lhe deixando outro papel no conjunto do sistema penal que não o de requerer uma indemnização. Importa ultrapassar esse mesm paradigma, a da satisfação da comunidade e do sistema penal tão só, pela reposição dos valores ofendidos através da aplicação da pena, e alargar os seus propósitos e respostas àqueles que são objectivamente os parentes pobres do investimento penal, sempre centrado no perpetrador/agente cirminal.

Há quem finalmente perceba essa desiquilíbrio: curso de mediação penal, porto, universidade católica portuguesa (ver aqui).*

* informação remetida via e-mail pela Michele Azeredo.

25 setembro, 2007

a mediação prescindível


bogart vs. bacall em "to have and have not" de howard hawks, 1944.

a punição não basta?

"sold" - joe henry, album "tiny voices" (listen while you read)

"new york city most wanted
1 – 800 – 262 – 4221: solis, alejandro polinar romero

Fosse o mundo o pátio de cimento por onde pudéssemos correr, decompondo, prolongando as horas, arquitectando nas cabeças as impossíveis brincadeiras e sempre seria ele a babilónia dos Homens, o sítio onde praticassem eles todos os seus excessos, correndo, cortando, golpeando indiscriminadamente. Nada há de que não sejam nesse pátio os Homens capazes, nada que os impeça da crueldade. Nada que não os traga embrulhados em porcaria, em violência estúpida, impondo os vazios mais irremediáveis.

E pelos olhos e coração, subsiste sempre esse medo de que sendo afinal Primavera, estando fresca a relva e iluminado o campo, nos possam inadvertidamente matar também.

A essa violência que germina indistinta pela terra e que tem por sua semente a natureza humana, não a pretendemos ver nas sucessivas modalidades com que se reinventa, com que nos brutaliza, acontecendo. Não a pretendemos ver despida como se fora uma volúpia a que depois possamos desejar (serão os Homens, eternamente, filhos dos canibais?).

Melhor fora que não houvesse essa persistência, essa condenação. Melhor fora que aos Homens os pudéssemos de alguma maneira matar também, por uma última e derradeira vez, sobrevivendo-lhes apenas nós, os que não podem ser ainda nomeados. Pouparíamos na dor e na vingança, sufocada que estava toda a violência de que são eles capazes.


E contudo, não havendo Homens arrastando consigo essa roldana de crueldade e de violência, não havendo o sangue em excesso no cruzamento do mundo, o que ficava depois da redenção, do auxílio? Não os havendo – aos Homens – impregnados de indescritíveis malefícios, do grotesco, a quem depois perdoaríamos? A quem resgataria do ressentimento e da dor, o tempo? A quem por fim, num gesto descoberto, estenderíamos a mão?

Há outras e inteiras palavras cuja frequência tanto gostamos, cujo valor fazemos questão em habitar (perdão, reconciliação, apaziguamento) e cuja substância de significado depende de uma existência e de todo o aleatório que ela encerra. Palavras que nos transformam, porque antes delas nos fora dada a possibilidade de persistir em impassibilidade. Palavras que transformando, evocam o que antes desconhecíamos: a dádiva, o benefício, o dom.

Não houvessem os Homens e triunfaria o automatismo do bem, a mecânica da perfeição. Não houvesse toda violência e frequentaríamos um condomínio de utopia, aonde não nos fora dada a possibilidade de optar. Essa necessidade, esse requisito de salvação, cessara de existir… Escolheríamos só as gradações de que uma só cor é capaz e com ela preencheríamos todos os dias em matizes, em surdez. Não nos fora dada a exigência de preferir crescer para um lado, ou ser derrubado para o outro.

E foi isso que agora lixou a solis, alejandro polinar romero de seu nome, o nova iorquino procurado, com número de cadastro. 1 – 800 – 262 – 4221. Foi isso que lixou a solis: o facto de a violência ter uma permanente morada nos Homens, um apartado disponível no sangue. E fora a circunstância da escolha que o derrubara... Agora, só os outros homens poderão fazê-lo crescer. A existência não é permeável às simplificações de que são feitas todas as utopias e nela subsiste uma exigência que sempre se reconhece: a do bem e a do mal. O dom e o malefício. A forma pela qual se antevê o dano e a condição para a sua cura.

Haverá sempre a violência e depois, eventualmente, um arrependimento edificado para o perdão dos outros homens...".

Fritzthegermandog

NOTA: a perguntacircular agradece ao autor a disponibilidade demonstrada para que aqui se pudesse publicar este seu texto, originalmente efectuada no blog feirafranca em maio de 2006, como elemento ilustrativo de outros textos que na perguntacircular vêm sendo publicados sobre mediação e sistema penal.

21 setembro, 2007


"to build a home" - cinematic orchestra, album "ma fleur", editado por ninja tune, maio de 2007.

Bom fim-de-semana!

20 setembro, 2007

sobre a conferência imap II

A partir de uma dor no cóxis nas cadeira do vila galé.

As cadeiras no vila galé são as mesmas, sendo as mesmas as referências cinéfilas, as alegorias gráficas a obras e cineastas que se acham penduradas pelas paredes. “Le charme discret de la bougeoisie”, “Cet obscur object du désire, ou “Una mujer sin amor” são aqui os cartazes – Luís Buñel, década de 70 e 50. Nas outras salas serão outros os cartazes, de outros realizadores, estando o fim de tarde calmo, ainda que demasiado quente para o fim estival que deveria ser todo o mês de Setembro. Mas antes o calor que a chuva. Assim prefiro.

Contudo a meio da exposição do conferencista, indivíduo novo e de cabelo curto, surge a sua afirmação: ”… o homem tem o direito á violência!”. Sim, o HOMEM tem o direito ao exercício escatológico, á conduta amoral ou nauseabunda. O Homem tem direito ao crime, á transgressão, à iniquidade, á malfeitoria generalizada. Eu concordei em absoluto, mas a sala estremeceu, de algum modo incrédula e houve quem até confessasse uma certa consternação pela crueza da asserção (começo também a perceber pela queixa emotiva da consternada que isto dos mediadores, é andar quase sempre num certo grau de alvoroço emotivo).

Sim, há o direito ao crime, o direito á crueza, à malfeitoria. E para percebermos como tais direitos são igualmente fundamentais, basta pensarmos em todas aquelas circunstâncias da história nas quais se procurou promover e condicionar a natureza humana a um determinado protótipo de comportamento “socialmente” adequado e aceitável (inócuo) e de como, invariavelmente em todos esses momentos, o outro lado desse “programa”, dessa engenharia, era o totalitarismo. Eu parto por isso do princípio que não devem valer de muito os nossos entusiasmos relativamente à natureza humana, relativamente a alguma bondade que nela se esconda – sem desprimor para as criaturas que são ainda capazes da surpresa, de executarem no meio de uma indiferença generalizada, um gesto, um acto de bondade – mas essa outra generalidade de nós mesmos (aonde me incluo!) o agregado indistinto de homens e de mulheres anónimos, não presta, não se recomenda neste estrito sentido: tanto é capaz de nos encher o coração, como a seguir partir qualquer outro, tanto é capaz de um apelo sereno, de um gesto de apaziguamento, como de irreflectidamente brutalizar, bestificar. Mas está bem assim. Nisso, apenas os santos se salvam e ainda bem! É essa amplitude, essa contingência de comportamento que nos faz e nos traz humanos, voluvelmente humanos, contraditoriamente humanos, violentamente humanos.

Tudo porque o Estado usa e constrói muitas das soluções ao nível do sistema penal com base nesse mesmo optimismo antropológico, que aqui de algum modo se pretende expor (e de algum modo, denunciar). Se não usasse desse mesmo optimismo relativamente ao Homem (a cada um de nós) não limitaria a moldura penal de muitos dos crimes que se praticam a um máximo absoluto de 25 anos. Porque o próprio sistema acredita que o Estado ao punir, deve simultaneamente cumprir uma função “ressocializadora” (e esse é o seu optimismo). Para tanto o sistema penal investe em soluções que “requalifiquem” o indivíduo, que o estruturem como um “novo ser”, um “novo homem” incapaz de reiterar nos comportamentos que o tornaram indesejável e o decretaram como “condenado”. Nesse seu optimismo, nesse seu INVESTIMENTO, o sistema penal prossegue e pratica um propósito de “engenharia social”, ainda que os seus fundamentos e a sua dimensão entre nós, seja ténue.

A questão que se coloca é que se o Estado usa de todo esse seu optimismo relativamente ao agressor/condenado e usa o seu sistema penal/prisional, para mais tarde ou mais cedo o devolver “requalificado” á comunidade, o que fica para a VÍTIMA? Que papel e que voz lhe deve ser reservado num sistema que por essência, investe quase exclusivamente no agressor e esquece por completo a vítima, nos seus traumas, nos seus medos, nas suas perguntas, nas suas fobias, no seu apaziguamento? A punição não apaga tudo…

Pois. O sistema penal é manco e toma partido por uma das partes… A mediação é todo o hemisfério que cumpre desbravar para que um novo equilíbrio seja reequacionado. Para que a vítima possa ter uma palavra a dizer…

19 setembro, 2007

a mediação prescindível


burt lancaster vs. deborah kerr. "from here to eternity", fred zinneman, 1953.

18 setembro, 2007

sobre a conferência imap

As cadeiras no vila galé são as mesmas. O meu cóxis voltou a protestar, mas sobretudo foi bom rever algumas das caras que connosco partilharam as 5 horas diárias nas salas, em simulações... Confesso que às vezes preferia as do Quaresma, mas pesadas as coisas - aberta uma janela de oportunidade como é esta, a da mediação - penso que no futuro valerá a pena o investimento e ter tolerado aquele desconforto (os sofás do Hall eram bem mais confortáveis).

Por isso o regresso, para ouvir a conferência. Diga-se que valeu a pena. Sobretudo para perceber no âmbito penal as dinâmicas que se podem gerar na abordagem aos problemas que directamente se relacionam com adolescentes e o tipo de soluções que em seu benefício podem resultar. Foi sobretudo interessante compreender como a mediação penal abre um hemisfério completamente diferente na resposta colectiva à violação de valores fundamentais à mesma colectividade. A questão que a mim sempre se me coloca, é saber em que medida a mesma comunidade aceita a resolução restaurativa (e eminentemente individualizada) das violações mais graves ao seu sistema de valores...

E cada um de nós, tem direito ao exercício da violência?

10 setembro, 2007

the poisoned mondays antidote


nicola conte feat. rosalia de souza - "Maria Moita". Álbum "Garota Moderna" Leeds/avatar, Julho de 2003.

mediação e controlo social - conferência

O Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal vai realizar no dia 13 de Setembro, na Sala Luis Buñuel do Hotel Vila Galé do Porto (Av. Fernão de Magalhães, n.º 7), uma conferência subordinada ao tema “Mediação e Controle Social: a mediação no campo penal e com adolescentes”. A conferência decorrerá entre as 18 e as 20 horas e será proferida pelo Prof. Doutor Alexandre Moraes Rosa que é Doutorado em Direito e Juiz de Direito no Tribunal da Infância e Juventude de Joinville (Brasil).*

* a partir de Newsletter n.º 53 do Imap.

06 setembro, 2007

a mediação impossível


alien vs. ripley

Are You Gonna Go My Way ?

Antes, toda a natureza era explicada como o concurso de forças e de poderes a quem o homem se submetia e idolatrava. O homem como centro do universo, como ente a partir do qual as coisas passariam a ser explicadas pelo uso da Razão (ainda que muitas vezes hoje nos perguntemos, aonde ele anda) veio mais tarde, muito mais tarde. E antes que tal viesse a acontecer (antes de o homem perceber a sua capacidade de domínio dos elementos) toda a renovação de ciclos, todo o seu início e fim era acompanhado de ritos e de oferendas, de celebrações, que eram simultaneamente sinais de esperança e de respeito perante aquilo que não se compreendia, mas que invariavelmente se regenerava.

Deve ser ainda uma reminiscência desse homem primitivo, toda esta parafernalia de discursos, declarações e tomadas públicas de posição que sempre assistimos aquando do reinício de cada ano judicial. Esse é, para o mundo judiciário, o ritual do mês de Setembro, ainda que, julgo eu, sem a esperança de regeneração e a celebração que haveria de lhe ser comum.

O curioso de tudo é verificar a cada Setembro, a cada reinício de ano judicial e a cada discurso/declaração de intenções, como tudo soa a estafado, desancado, de como muita pouca esperança subsiste no sistema e como, estando as coisas há já demasiado tempo nesses termos, urge a necessidade de criar alternativas e de as forjar desde logo, com pés e cabeça, para que o que antes poderia ser um factor importante na solução dos problemas da justiça, não se torne também uma sua parte. A Mediação e a disseminação do seu modo de abordagem, a simplificação que traz no seu método de resolução de conflitos, pode sem dúvida ser um factor primordial para que os agentes da Justiça possam de novo regressar á esperança, a cada renovação de ciclo, havendo depois motivos para o celebrar. A questão que se coloca é pois saber, se todos querem percorrer esse caminho… E então? Are you gonna go my way? É preciso saber…

03 setembro, 2007

back in business

Não muito escaldado, não muito ou demaisado moreno - também eu me deixei seduzir pelos milagres da cosmética e fui escurecendo artificialmente - mas retemperado e reposto para mais um ano de trabalho, pelo menos... Isso implicará o regresso à pergunta circular, sempre que algum tempo sobre para tanto. De resto, algumas novidades?