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sold" - joe henry, album "tiny voices" (listen while you read)
"new york city most wanted
1 – 800 – 262 – 4221: solis, alejandro polinar romero
Fosse o mundo o pátio de cimento por onde pudéssemos correr, decompondo, prolongando as horas, arquitectando nas cabeças as impossíveis brincadeiras e sempre seria ele a babilónia dos Homens, o sítio onde praticassem eles todos os seus excessos, correndo, cortando, golpeando indiscriminadamente. Nada há de que não sejam nesse pátio os Homens capazes, nada que os impeça da crueldade. Nada que não os traga embrulhados em porcaria, em violência estúpida, impondo os vazios mais irremediáveis.
E pelos olhos e coração, subsiste sempre esse medo de que sendo afinal Primavera, estando fresca a relva e iluminado o campo, nos possam inadvertidamente matar também.
A essa violência que germina indistinta pela terra e que tem por sua semente a natureza humana, não a pretendemos ver nas sucessivas modalidades com que se reinventa, com que nos brutaliza, acontecendo. Não a pretendemos ver despida como se fora uma volúpia a que depois possamos desejar (serão os Homens, eternamente, filhos dos canibais?).
Melhor fora que não houvesse essa persistência, essa condenação. Melhor fora que aos Homens os pudéssemos de alguma maneira matar também, por uma última e derradeira vez, sobrevivendo-lhes apenas nós, os que não podem ser ainda nomeados. Pouparíamos na dor e na vingança, sufocada que estava toda a violência de que são eles capazes.
E contudo, não havendo Homens arrastando consigo essa roldana de crueldade e de violência, não havendo o sangue em excesso no cruzamento do mundo, o que ficava depois da redenção, do auxílio? Não os havendo – aos Homens – impregnados de indescritíveis malefícios, do grotesco, a quem depois perdoaríamos? A quem resgataria do ressentimento e da dor, o tempo? A quem por fim, num gesto descoberto, estenderíamos a mão?
Há outras e inteiras palavras cuja frequência tanto gostamos, cujo valor fazemos questão em habitar (perdão, reconciliação, apaziguamento) e cuja substância de significado depende de uma existência e de todo o aleatório que ela encerra. Palavras que nos transformam, porque antes delas nos fora dada a possibilidade de persistir em impassibilidade. Palavras que transformando, evocam o que antes desconhecíamos: a dádiva, o benefício, o dom.
Não houvessem os Homens e triunfaria o automatismo do bem, a mecânica da perfeição. Não houvesse toda violência e frequentaríamos um condomínio de utopia, aonde não nos fora dada a possibilidade de optar. Essa necessidade, esse requisito de salvação, cessara de existir… Escolheríamos só as gradações de que uma só cor é capaz e com ela preencheríamos todos os dias em matizes, em surdez. Não nos fora dada a exigência de preferir crescer para um lado, ou ser derrubado para o outro.
E foi isso que agora lixou a solis, alejandro polinar romero de seu nome, o nova iorquino procurado, com número de cadastro. 1 – 800 – 262 – 4221. Foi isso que lixou a solis: o facto de a violência ter uma permanente morada nos Homens, um apartado disponível no sangue. E fora a circunstância da escolha que o derrubara... Agora, só os outros homens poderão fazê-lo crescer. A existência não é permeável às simplificações de que são feitas todas as utopias e nela subsiste uma exigência que sempre se reconhece: a do bem e a do mal. O dom e o malefício. A forma pela qual se antevê o dano e a condição para a sua cura.
Haverá sempre a violência e depois, eventualmente, um arrependimento edificado para o perdão dos outros homens...".
Fritzthegermandog
NOTA: a perguntacircular agradece ao autor a disponibilidade demonstrada para que aqui se pudesse publicar este seu texto, originalmente efectuada no blog feirafranca em maio de 2006, como elemento ilustrativo de outros textos que na perguntacircular vêm sendo publicados sobre mediação e sistema penal.