08 fevereiro, 2008

noblesse oblige

Disse o Ministro da Justiça, quando inaugurou o Sistema de Mediação Penal em Aveiro, que este não pode ou não deve corresponder a uma privatização da Justiça e do respectivo sistema, antes constituí e nas suas palavras – fazendo fé no Jornalista JN – uma “… forma desenvolvida e acrescida de envolvimento da sociedade na resolução destes litígios”, através do Estado.

Ora bem… Não creio que numa primeira constatação possamos discordar daquelas generalizações de circunstância, proferidas pelo Ministro na cidade de Aveiro. De qualquer modo, nada impede um exercício mais profundo àqueles dizeres. Que a privatização da Justiça não acontece, pelo facto de se inaugurarem ou porem em funcionamento sistemas de mediação penal (ou qualquer outro) pode parecer manifesto, pela simples razão de ser o próprio Estado quem sustenta ou estrutura tais mecanismos de resolução de conflitos - logo o sistema não é privado, é estatal. Mas tal é ficarmo-nos pelo verniz das coisas, importando por isso uma verificação mais profunda.

Ora, não restam dúvidas para quem frequentou os seus cursos, que a MEDIAÇÃO e os resultados a que a sua metodologia conduz, são por essência uma emanação individualizada das partes em conflito, correspondendo assim a uma manifestação de vontade que se reporta em exclusivo, a alguém racionalmente determinado, que gere a partir das suas próprias convicções e motivações, uma solução que para si mesmo corresponda a algo que seja conforme e reflicta um justo equilíbrio final, considerando o ponto de rotura em que as partes inicialmente se encontravam. Se uma questão é saber, que tipo de Justiça corresponde a toda e qualquer transacção que resulte de MEDIAÇÃO (se é que alguma), nenhuma dúvida se pode colocar quanto à sua natureza eminentemente privada, pois corresponde a um assentimento individualizado, cuja construção depende única e exclusivamente de um esforço e de uma capacidade de equilíbrio e justaposição, que têm por única referência um quadro psicológico e ético que se alicerça e se estanca na contingência do EU, daqueles em conflito – o que de resto torna ainda mais surpreendente, o facto de se alcançarem resultados não despiciendos ao nível da resolução de conflitos e da própria taxa de reincidência penal.

O facto de tudo isso acontecer dentro de um sistema formalizado com a chancela estatal, sendo ele denominado de sistema de mediação penal (ou qualquer outro) em nada altera a sua substância ou natureza eminentemente Privada, por muito que o Ministro da Justiça diga que não!

De onde naturalmente resulta a pergunta que por aqui igualmente já se fez: o porquê do Estado e a necessidade que este sente, em manter uma presença significativa em algo que na sua essência – e numa visão mais extrema – pode perfeitamente viver sem ele? Creio que a resposta se pode situar historicamente: o estado moderno – ainda antes do próprio racionalismo – constituiu-se ou começou por constituir-se através de uma aplicação uniformizada e unívoca da Lei, num determinado território. “Rex” além de uma prerrogativa simbólica, militar ou administrativa, era de igual modo – e sobretudo – uma prerrogativa de fazer e aplicar a Justiça, que posteriormente e aquando da implantação do princípio da Separação de Poderes, o próprio Estado alienou em favor de um sistema judicial mais alargado e autonomizado, sem abdicar – no que ao sistema de justiça continental diz respeito – da formulação das leis, que posteriormente os tribunais aplicariam. Daqui ao sistema babilónico e kafkiano em que o sistema judicial se tornou, foi um saltinho de pardal!

Ora, parece manifesto que a MEDIAÇÃO corresponde ou poderá corresponder, a uma dissolução de todos aqueles princípios de que por séculos se fez o Estado Moderno: o do primado da lei e da suficiência dos Tribunais na respectiva aplicação. E é aqui que reside a razão para o Estado não largar o osso: o Estado não pretende para si esse desprestígio e permitir a realização individualizada e atomizada da Justiça por meios alternativos, tendo por base um querer individualizado. É ele (Estado) quem ainda quer controlar os modos da conflitualidade e daí a sua presença na resolução alternativa, ainda que ela – na grande maioria das situações – não seja precisa para nada. É apenas “noblesse oblige”, mas algo com o qual deveremos sempre contar...

O ministro bem pode adocicar a boca com ovos moles e dizer palavrinhas de circunstância, mas não creio que por muito que diga possa alterar a percepção que vem de ser exposta...
Vai um ovo mole?

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