Tive recentemente oportunidade de apresentar e discutir, a possibilidade de fazer inserir processos de mediação nos procedimentos de assistência levados a cabo no terreno por uma associação. Não que aquilo que irei expor não tivesse já passado pela minha cabeça, mas o facto de a actividade desenvolvida pela dita associação ter por âncora uma ordem religiosa, colocou de um modo mais manifesto, uma determinada visão dos fundamentos e propósitos na mediação.
Enfim, algo vem sendo dito acerca do papel do Estado como único factor actuante na nossa comunidade política, para a promoção e actualização de uma certa ideia de Justiça que, de um modo geral, resulta e passa por um agregado de valores – temporalmente e ideologicamente definidos – cuja preservação aquela mesma comunidade pretende, sendo que se considera que a Justiça resultará quando diferentes tipos de mecanismos (policiais, penais ou sociais) são desencadeados por aquele Estado, no sentido de restabelecer a plena validade daqueles valores de algum modo ofendidos.
Sendo o único ente a quem se reconhece capacidade e um papel na realização da Justiça, não adiantará muito voltar a desenvolver tudo aquilo que igualmente aqui se vem referindo quanto ao modo unívoco e parcelar, com que o Estado realiza tal função: o sistema é heterónimo a agressor e ofendido/vítima (com largo prejuízo na intervenção deste) e de uma forma geral, procede e avança com base num sistema eminentemente formal, profundamente compartimentado nas suas dinâmicas, onde o cerne ou a substância do conflito é muitas vezes – senão uma grande maioria – secundarizada não só pela sequência processual, como também pelo papel/estatuto a desempenhar por outros protagonistas, eles próprios cientes da sua dependência perante o sistema que os desencadeia e articula. Enfim, complicado…
O que todos nós concluímos é que a mediação de conflitos, na diferente abordagem que realiza, recentra num diferente paradigma, o modo pelo qual a comunidade política procura resolver a conflitualidade que lhe é inerente. E essa recentragem acontece não só ao nível da disposição formal das partes em conflito, no modo como elas próprias se olham e ganham protagonismo e o domínio dos seus interesses, das suas fraquezas, das suas expectativas e como directamente passam a gerir a forma de apaziguar ou resolver o conflito. Contudo e talvez mais importante, tal recentragem acontece de igual modo ao nível das referências que assume, da própria linguagem que desenvolve e no modo como pela mediação (e particularmente na mediação penal) actualiza um enquadramento ético e uma perspectiva de actuação que é directa e históricamente tributária dos denominados valores cristãos – centrados numa ideia individualizada de perdão, de misericórdia e de como através da demonstração de tal capacidade no outro, se procurará também individualmente alcançar a infinita bondade de Deus.
Esta mesma recentragem (sobretudo no que à linguagem diz respeito) não pode de algum modo passar em claro e não deixar de ser vista como “reacção” a todo aquele outro paradigma iluminista (e sobretudo, estatizante e secular) a partir do qual todo o sistema de domínio e de apaziguamento da conflitualidade protagonizado pelo Estado, têm de há séculos para cá, sido considerado, nomeadamente e sobretudo a partir do momento em que, como se verifica no nosso sistema penal, a punição surge como um resultado que apenas secundariamente releva a culpa do transgressor reportando assim para um momento quase vazio de importância o entendimento e a censura que determinado comportamento possa ter para o outro.
Alguém quer via à missa?
“Personal Jesus” – Depeche Mode, álbum “Violator”, editado por Mute Records em 1991.
31 janeiro, 2008
sobre mediação e seus fundamentos
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