1. É hoje vulgar considerar-se Johnny Hartman como alguém cujo sentido e sobriedade na abordagem jazzística e cuja voz grave, mas sempre impecavelmente aveludada no timbre, nunca foi objecto de devido reconhecimento. Já tanto não se pode dizer do génio indomável e fulminante do John Coltrane e da qualidade imemorial do seu quarteto (Maccoy Tyner, piano, Jimmy Garrisson no contrabaixo e Elvin Jones na bateria). Contudo o som que se pode ouvir de “my one and only love” (e esqueçam as imagens, pois em 1963, a MTV não tinha sido inventada) serve aqui um propósito explanatório, sobre a conferência de Franco Fortieri na qual apresentou a denominada “mediação apreciativa”.
2. Franco adopta uma diferente perspectiva na abordagem à mediação. Para ele o fundamental não é reconhecer ou tentar reconhecer a verdadeira natureza do conflito e encontradas as suas razões, proceder evolutivamente no sentido de um equilíbrio cicatrizador entre as partes em litígio, o fundamental é antes e desde logo, encontrar e estabelecer um patamar positivo que de algum modo aquela relação quebrada ainda evoca e a partir daí, avançar em diálogo no sentido da resolução do conflito. Daí a enorme importância dada à pré-mediação, como câmara aonde as partes conflituantes, num exercício de activo de memória, evocação, tentam colocar entre elas e sempre previamente, factos, lembranças, acontecimentos, simbioses cuja presença e lembrança não só determine a dinâmica pela positiva do diálogo a estabelecer em mediação (com o mediador), como sirva de estímulo positivo à resolução do conflito e ao reestabelecimento da relação naquela mesma base agradável, ou profunda, que as partes inicialmente (em pré-mediação) apenas evocavam.
3. Para Franco a mediação é irredutivelmente um exercício optimista, aonde qualquer evocação negativa é simultaneamente a possibilidade do seu fim. Haverá assim – e tal é condição sine qua non – a necessidade, no seu dizer, de uma predisposição ao lirismo ou à arte: à sofisticação e à sensibilidade de todo o ser humano e à respectiva capacidade de identificar o extraordinário ou o belo. E quando a desavença se instala e a inspiração é precisa, talvez não seja muito difícil convocar aqueles momentos de trégua ou de doce calma, a que corresponda a consciência plena, de que verdadeiramente a existência, é uma arte e que nela existem momentos que por inteiro nos preenchem e se nos gravam como um filamento de beleza, ainda que tal possa ocorrer na mais simples e vulgar das horas, com a mais vulgar de todas as coisas: quando Hartman, depois da introdução completa do standard por Coltrane, começa a cantar, com todo o ensable, “my one and only love” de Guy B. Wood e Robert Mellin, ou como quando daquela vez em Paris, frente à Ópera, e nevava…
Verdadeiramente, seremos sempre nós a beleza e a sua arte, porque ainda que o mundo caia aos pedaços, seremos a exacta medida das suas coisas.
Bom fim-de-semana.
“my one and only love” de Guy B. Wood e Robert Mellin, interpretado por John Coltrane e Johnny Hartman no álbum com o mesmo nome, re-editado por Impulse!! Records, em Junho de 1995.
22 fevereiro, 2008
mediação apreciativa
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