
Há uma coisa que me parece se vem tornando manifesta para muitos de nós que frequentam o curso de mediação: a de que nos havíamos encerrado num modo unívoco de abordar e resolver os conflitos e de que nesse encerramento, nos preparávamos para afundarmo-nos com todo o restante sistema. Encontrar a solução para o colapso eminente de todo um sistema de administração de justiça, foi fácil : bastou encontrarmos e repormos novamente como centro de tudo, todo e cada um de nós, na sua dimensão individual e irreptível, a vontade que nos é própria e suficiente. O INDIVÍDUO, pode e deve ser o centro de tudo, em vez de o diminuirmos e o abafarmos perante um SISTEMA, que a determinada altura se lhe sobrepõe e lhe retira a importância que era a sua, enquanto indivíduo.
Em tudo o que denuncia de arbitrário, de irracional, "O Processo" de Kafka e a personagem K. - o bancário primeiro acusado, depois punido, sem lhe houvessem sequer dito o motivo - não é senão o espelho dessa aniquilação individual em que entretanto se constituiu o exercício da Justiça no país: cada um de nós, será muitas vezes a última peça de todo o sistema e não aquela em atenção da qual, o mesmo deveria funcionar.
O que importa pois é o indivíduo, reconhecer-lhe mecanismos aonde ele mesmo possa expressar a respectiva individualidade, a sua autonomia perante os problemas e não desenvolver uma cultura de permanente TUTELA estatizante sobre as respectivas capacidades, retirando-lhe ou secundarizando-lhe a iniciativa, como tem vindo a ser a tradição no nosso país.
Esse facto - a reposição do indivíduo como ser capaz e centro da iniciativa e resolução de conflitos - não será estranha uma certa tradição liberal sul-americana (ou americana de uma forma geral) de que o Prof. Vezzulla será tributário, por contraposição a um certo estatismo racionalista, de inspiração europeia e continental, aniquilador de uma visão individualista do Homem, que tem sido o paradigma em muitas das soluções perfilhadas pela Administração da Justiça e nas quais ela mesma se encerrou.
Será sem dúvida boa a MEDIAÇÃO DE CONFLITOS em tudo aquilo em que repõe o indivíduo como senhor de si mesmo, ente autónomo de decisão e de capacidade, enquanto veículo que altere o quadro de permanente tutela e de condicionamento (estreitamento) pelo Estado, de cada uma das opções que a cada um se lhe oferece. Para que um dia o nosso livro não comece como o de Franz Kafka: "Someone must have been telling lies about Josef K., he knew he had done nothing wrong but, one morning, he was arrested."
1 comentário:
Querido António,
Obrigada pelos belíssimos textos que publicas.
Isabel, obrigada pela reflexão que partilhas connosco.
Eu, infelizmente, tenho pouco tempo (e jeito!) para textos, mas devo dizer que adoro Kafka e este livro (que é o meu favorito).
Uma beijoca grande a todos e até amanhã.
Célia
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