10 abril, 2007

o indivíduo, é o que importa


Há uma coisa que me parece se vem tornando manifesta para muitos de nós que frequentam o curso de mediação: a de que nos havíamos encerrado num modo unívoco de abordar e resolver os conflitos e de que nesse encerramento, nos preparávamos para afundarmo-nos com todo o restante sistema. Encontrar a solução para o colapso eminente de todo um sistema de administração de justiça, foi fácil : bastou encontrarmos e repormos novamente como centro de tudo, todo e cada um de nós, na sua dimensão individual e irreptível, a vontade que nos é própria e suficiente. O INDIVÍDUO, pode e deve ser o centro de tudo, em vez de o diminuirmos e o abafarmos perante um SISTEMA, que a determinada altura se lhe sobrepõe e lhe retira a importância que era a sua, enquanto indivíduo.

Em tudo o que denuncia de arbitrário, de irracional, "O Processo" de Kafka e a personagem K. - o bancário primeiro acusado, depois punido, sem lhe houvessem sequer dito o motivo - não é senão o espelho dessa aniquilação individual em que entretanto se constituiu o exercício da Justiça no país: cada um de nós, será muitas vezes a última peça de todo o sistema e não aquela em atenção da qual, o mesmo deveria funcionar.

O que importa pois é o indivíduo, reconhecer-lhe mecanismos aonde ele mesmo possa expressar a respectiva individualidade, a sua autonomia perante os problemas e não desenvolver uma cultura de permanente TUTELA estatizante sobre as respectivas capacidades, retirando-lhe ou secundarizando-lhe a iniciativa, como tem vindo a ser a tradição no nosso país.

Esse facto - a reposição do indivíduo como ser capaz e centro da iniciativa e resolução de conflitos - não será estranha uma certa tradição liberal sul-americana (ou americana de uma forma geral) de que o Prof. Vezzulla será tributário, por contraposição a um certo estatismo racionalista, de inspiração europeia e continental, aniquilador de uma visão individualista do Homem, que tem sido o paradigma em muitas das soluções perfilhadas pela Administração da Justiça e nas quais ela mesma se encerrou.

Será sem dúvida boa a MEDIAÇÃO DE CONFLITOS em tudo aquilo em que repõe o indivíduo como senhor de si mesmo, ente autónomo de decisão e de capacidade, enquanto veículo que altere o quadro de permanente tutela e de condicionamento (estreitamento) pelo Estado, de cada uma das opções que a cada um se lhe oferece. Para que um dia o nosso livro não comece como o de Franz Kafka: "Someone must have been telling lies about Josef K., he knew he had done nothing wrong but, one morning, he was arrested."

1 comentário:

Célia Nóbrega Reis disse...

Querido António,

Obrigada pelos belíssimos textos que publicas.

Isabel, obrigada pela reflexão que partilhas connosco.

Eu, infelizmente, tenho pouco tempo (e jeito!) para textos, mas devo dizer que adoro Kafka e este livro (que é o meu favorito).

Uma beijoca grande a todos e até amanhã.

Célia