Não deixa de ser interessante esta dificuldade manifesta em fazer catalogar o tipo de justiça que é consequente a qualquer exercício de mediação bem sucedido. É evidente que poderemos sempre saltar este mesmo problema, argumentando que a justiça de uma determinada situação mediada é aquela que as partes pretenderam para si próprias e que se consubstancia no respectivo “output”. Creio contudo que assim procedendo significa ficar com metade do problema por resolver, uma vez que adivinhando-se o alastrar das soluções mediadas e a respectiva institucionalização, não poderemos continuar a pensar que no futuro não haverá quem questione os fundamentos da justiça “mediada” – assente exclusivamente na vontade das partes – e em que medida essa mesma prática e essa forma não adversarial de resolver a coflitualidade social, contribuí para a coesão dos valores de uma determinada comunidade política em que se acha inserida.
É de resto no propósito de responder a essa mesma dificuldade – e que essencialmente se faz sentir ao nível da mediação penal – que as metodologias e formas pelas quais o exercício de mediação se vem estruturando, correspondem e inserem-se ainda dentro da lógica do sistema penal, como momentos eminentemente diversos do fim punitivo que lhe é característico, mas ainda assim inseridos no procedimento que lhe é típico.
É daqui de resto que decorre a questão de se saber se, verdadeiramente, a lógica não adversarial inerente aos processos de mediação constitui uma verdadeira e radical inovação quanto ao modo pelo qual a comunidade entende e trata toda e qualquer transgressão (o que nesse sentido corresponderá a um novo paradigma de tratamento do denominado crime) ou se pelo contrário, correspondendo aquela mediação a momentos que se inserem na lógica penal existente, tal significa não necessariamente uma novidade radical, um novo paradigma, mas apenas uma originalidade gerada pelo sistema já existente.
É no levantamento de todas estas questões e na racionalidade que procuram ter as respectivas respostas, que surge o conceito de “Justiça Comunitária” que num modo muito particular se opõe a esse outro conceito de justiça que prevalece em todo o sistema, traduzido pela institucionalização da sua aplicação, pela racionalidade exclusivamente legal das respectivas decisões e pela eminente prerrogativa de quem o define e aplica, o Estado. “Justiça Comunitária” pelo contrário e em oposição, corresponde e surge precisamente como resposta à erosão de que sofre aquela justiça de meios exclusivamente estatais e a incapacidade por esta revelada em trazer para o campo penal um novo tipo de preocupações, como por exemplo o estruturar e dirigir um verdadeiro ressarcimento da vítima e alargar o respectivo papel no procedimento punitivo, ou em apresentar dados peremptórios que indiquem que o modo pelo qual o seu sistema punitivo se estrutura permite a médio, longo prazo, uma definitiva ressocialização do transgressor e logo uma diminuição da criminalidade.
“Justiça Comunitária” corresponde precisamente a uma chamada ao processo e procedimento punitivo de novos actores, não estatais, actores eminentemente civis e cuja actuação no procedimento punitivo passa a incorporar uma outra riqueza e diversidade de abordagens, acrescentando-se assim algo de novo e ultrapassando-se por esta mesma via aquelas incapacidades reveladas por uma justiça eminentemente estatizante.
A este mesmo propósito: Innovations Pénales et Justice Réparatrice – Mylénne Jaccoud.
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