
Cada homem traz a marca do território. É inescapável. Incontornável. Sempre a geografia moldou o instinto da besta, do animal, conformou-lhe a sagacidade, o poder de galgar o terreno e ganhar vantagem no confronto da sobrevivência. É também o território e a coloração que exibe, que motiva os seus disfarces, as manhas e camuflagens de tudo o que existe pela terra, seja a transparência que dispersa as formas no abismo dos oceanos, seja a riqueza e a exuberância de constrastes das cores tropicais, que tudo confunde.
O território faz muito do que somos e daquilo que somos capazes.
E isto a propósito de lugares na Terra, de sítios distantes e de geografias que não apreendemos, que não conhecemos, mas que se tornam perceptíveis em sítios inusitados, como em salas de aula, ou estações de metro. Não por sinais distintos que nos tornam reconhecíveis todos os lugares da Terra, como o tom da pele, a cor dos olhos, não pela cultura do que te veste e cobre o corpo.
Há lugares da terra, sítios que desconhecemos em absoluto que se tornam visíveis pela simples presença do carácter. Há formas de ser, de abrir o coração às coisas, que têm o seu lugar devidamente cartografado no mapa de todos os lugares. A partir do carácter torna-se perfeitamente visível a longitude e latitude do território, a sua geografia, ainda que sejam muitos os quilómetros que dele nos separam e que agora reconhecemos, numa sala de aula.
A América (toda a América, de norte a sul) molda o carácter. Há um ser-se americano (do sul e do norte) que é fácil ser reconhecido: ele é individual, centrado no que se é – simplesmente – e faz-se, constrói-se pelo desafio que cada um é assim capaz de colocar frente à adversidade do mundo (da geografia), à contingência das coisas, à contrariedade, à loucura das possibilidades. Nenhum outro lugar do mundo foi construído assim, em despique com a impossibilidade e nenhum outro sítio do mundo exigiu tanto de simples homens, das suas fraquezas e da sua coragem, ante a adversidade do território.
E foi curioso ver como essa marca resiste numa sala de aula, como era ainda o empenho individual que sobressaía em muitas das questões debatidas ou apresentadas e de como isso era sobretudo americano, territorialmente americano, com a respectiva latitude e longitude definida no mapa, a sua uniformidade na riqueza do universo e de como, de igual maneira, toda a nossa cartografia é ainda tão colectivizante, tão pouco centrada em nós e no muito que trazemos de individualidade e de com facilmente prescindimos dessa genética única, irrepetível, em favor de sacrossantas entidades (estado) que nos reduzem o espectro de desenvolvimento pessoal.
E na sala de aula, com vista para um lugar algo lúgubre da cidade do Porto, entre a chuva e o sol desses dias, não fiz mais do que aquilo a que estamos historicamente habituados a fazer: registar as coordenadas (latitude e longitude) e dar um nome ao que antes desconhecíamos, ou apenas ouvíramos falar: argentina, terra de argento e de prata…
O Homem, é a única coisa que verdadeiramente importa.
2 comentários:
Antonio. ainda que tarde, li este artigo, achei o maravilhosamente sabio e a conclusao brilhante.
Sim, e assim, estamos forjados para nos virar-nos como pudermos. A criatividade e a possibilidade de questionar o estabelecido por natureza, forma parte de muitos de nos, latinoamericanos. Espero ter podido transmitir a todos vos (o que voce captou muito bem) um pouco desse questionamento. Com carinho para todos os participantes desse curso que guardo muito especialmene na minha memoria. Juan Carlos Vezzulla
Caro Prof. Vezzulla:
Agradeço o seu comentário e o facto de por aqui ter aparecido! Espero que possamos contar sempre com as suas visitas e que, de algum modo, lhe continuemos a dar boas razões para aqui dar 1 salto!
Então, até 1 dia destes...
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